Cautela é a recomendação para o plantio 24/25: cada semente por metro quadrado vale por três sacas de soja por hectare

Temperatura do solo em grande parte do país é letal para as sementes e só irá normalizar com as chuvas frequentes

Apesar do vazio sanitário para o plantio de soja já ter encerrado em diversos estados brasileiros e terminar até o final deste mês em outros, a principal recomendação de agrônomos e meteorologistas para a safra 24/25 é ter cautela e aguardar pela condição de chuvas ideais antes de plantar. Além de um longo período de tempo seco, os produtores enfrentam neste ano margens apertadas e cada semente é muito valiosa. 

Como explica o engenheiro agrônomo e consultor técnico José Domingos, cada semente de soja por metro quadrado é responsável por três sacas por hectare, ou seja, considerando o valor de uma saca em R$ 120, ele ressalta que cada semente por metro quadrado tem responsabilidade de R$ 360 no final da produção.

Por esse motivo, a recomendação que ele faz é esperar. Domingos destaca que, neste momento, a grande preocupação é em relação à temperatura do solo. Segundo ele, até mesmo áreas irrigadas do Centro-Oeste onde já há plantio, as sementes estão encontrando problemas no percentual de emergência, que está abaixo de 80%. 

Ele explica que uma semente de soja, a três centímetros de profundidade, precisa de uma temperatura entre 8°C e 40°C. Entretanto, como mostra Domingos, no município de Barra do Garças, leste de Mato Grosso, o solo sem palha chega a 58°C e quase 55°C sobre a brachiaria. Além disso, o agrônomo também cita o calor com problema para aplicação de herbicidas e pré-emergente, sendo até 30°C, umidade de 60% e ventos abaixo de 15 km/h a condição ideal. “Este ano será um ano em que a produção será decidida por detalhes, por isso será fundamental o produtor buscar as informações confiáveis, evitar replantios e fazer gestão. A gestão é mais importante do que fazer rápido”, afirma Domingos

CONDIÇÕES ATUAIS DO SOLO

Felippe Reis, analista de culturas na América Latina e Oceania da EarthDaily Agro, afirma que hoje há diferentes cenários para o plantio 24/25. Para o Sul do Brasil e região sul de Mato Grosso do Sul, a umidade do solo já está em patamar satisfatório para que os produtores comecem a plantar (caso o vazio sanitário já tenha se encerrado). 

Mas, para Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e norte de Mato Grosso do Sul, a umidade do solo ainda está em um nível muito baixo. Assim, ele indica que, em Mato Grosso e norte do Mato Grosso do Sul (regiões onde o plantio já é permitido) os produtores aguardem um pouco mais, principalmente porque nessas regiões a seca deve se estender pelo menos até o início de outubro.

Segundo Reis, em Mato Grosso e norte de Mato Grosso do Sul, a umidade do solo está no menor e segundo menor nível em comparação com os últimos 30 anos, respectivamente. O que reforça a estratégia de aguardar o retorno das chuvas para que se realize o plantio da soja. 

“O modelo europeu de previsão climática (ECMWF) e o modelo americano (GFS), preveem continuidade da seca para essas regiões e outras para os próximos 14 dias. Aliás, a previsão climática aponta chuvas acima da média apenas no Rio Grande do Sul”, destaca o meteorologista.

INFLUÊNCIA DO LA NIÑA SOBRE A SAFRA 24/25

Durante o final deste ano e início do próximo, é provável que se estabeleça o fenômeno La Niña, o que traz mudanças para o padrão de chuvas no Brasil, como explica Felippe Reis: “De acordo com o Bureau of Meteorology (agência nacional de meteorologia da Austrália) o fenômeno La Niña ainda não está ativo. No entanto, quando ativo no fim e início do ano, ou seja, durante a safra de verão do Brasil, causa temperaturas mais baixas no Sul e Centro-Sul do Brasil, porém também pode resultar em chuvas abaixo da média principalmente para o Sul do país (mas também chuvas acima da média para o Norte e Nordeste do país)”. 

Portanto, segundo ele, com o La Niña ativo, a depender da intensidade, poderá haver um volume de chuvas abaixo da média no Sul e acima da normalidade no Nordeste do país, o que pode levar a uma falta de água disponível para o desenvolvimento das lavouras de verão no Sul do país. Entretanto, Reis acredita que ainda é cedo para fazer tal afirmação, pois é necessário verificar a intensidade do fenômeno.

Segundo Pedro Ronzani, diretor de negócios na América Latina da EarthDaily Agro, apesar da neutralidade do El Niño atualmente e da previsão de manutenção de neutralidade ou evolução para um La niña fraco e curto entre o último trimestre de 2024 e primeiro de 2025, as previsões de precipitação merecem atenção especial. 

Ele explica que o cenário na Região Sul é favorável para os próximos meses, porém para todo o restante do país é muito mais desafiador, com exceção de Mato Grosso, que tende a se manter dentro da normalidade. Segundo Ronzani, isso deve afetar o estabelecimento da safra 24/25 de soja e demanda precaução extra dos produtores, especialmente para repensar os primeiros plantios, geralmente feitos no pó. 

Para Ronzani, a atenção à qualidade das sementes se torna ainda mais importante com um cenário de estabelecimento menos favorável, bem como à demanda pelas mesmas num cenário de altas taxas de replantio. “O mercado segurador deverá ficar bastante atento ao plantio desta safra e à tomada de risco não coberto pelos produtores, bem como ao Governo Federal que segura a produção em operações do Proagro”.

APÓS ESTABELECIDAS AS CHUVAS, PREVISÕES SÃO OTIMISTAS

De acordo com Alexandre Nascimento, sócio-diretor e meteorologista da Nottus, os produtores já terão umidade suficiente para iniciar o plantio nas primeiras semanas de outubro. Porém, agora, nesta fase inicial, o momento é de segurar a ansiedade. Para o  desenvolvimento da safra, no entanto, ele aponta que os modelos numéricos de previsão do tempo e do clima estão bastante otimistas, apesar de ainda ser cedo para definir com certeza essa previsão.

“Alguns demoram um pouco mais com o início da chuva, mas todos são categóricos com água suficiente para o desenvolvimento da safra. Ainda é muito cedo para falar de colheita e segunda safra e o que falarmos agora pode mudar bastante ao longo dos próximos meses, mas os modelos indicam bastante chuva. Ou seja, hoje vemos colheita em janelas curtas, com bastante umidade – mas, repito, ainda é cedo”, destacou Nascimento. 

RECOMENDAÇÃO É AGUARDAR PELAS CHUVAS FREQUENTES

Rogério Coimbra, professor da UFMT/Sinop, recomenda aos produtores aguardarem as chuvas frequentes: “Embora para o Mato Grosso tenha previsão de algumas chuvas para o final de setembro, não é o suficiente ainda para ter uma estabilidade de temperatura e água no solo”. 

Ele destaca que a água é um condicionador térmico, então ela impede que a temperatura varie muito ao longo do dia. Porém, segundo Coimbra, as primeiras chuvas não permitem ainda que tenha água suficiente nas bacias hidrográficas para que essa temperatura não varie: “O risco de se plantar antecipado agora, sem uma suplementação de irrigação, é você iniciar o processo de germinação e perder essa semente por falta de água. Então, tem que ficar atento, tem que aguardar as chuvas frequentes para que a lavoura possa começar a se desenvolver e seguir em frente”.

Coimbra detalha que a semente vai ao solo, vai ganhar água no primeiro momento para germinar, emitir raiz, depois disso ela vai emergir e nesse momento não pode mais faltar água. “Se faltar água, nós começamos a perder plântulas, que são sementes germinadas e emergidas, e cada plântula perdida pode trazer prejuízos de dois a três sacas, chegando até seis sacos por hectare. Ou seja, cada falha por m², de 180 quilos até 240 quilos de perda por hectare. Então esse é o cuidado nesse momento”, completou.

Alguns cuidados também serão importantes no momento de plantar. José Domingos recomenda que para ter a condição ideal, é preciso contar com chuva entre 70 e 110 milímetros, com a garantia de novas chuvas em seguida. Além disso, ele explica que também é necessário ter atenção para a velocidade do trator. Segundo ele, não deve passar de 6 km/h para garantir a profundidade, sobretudo com a condição atual neste ano ano de solo seco e mais duro. 

Para o produtor que teve área queimada, segundo Domingos, o ideal é deixar os locais onde ocorreram as queimadas para plantar por último. “Como perdeu a microbiota, o ideal é plantar um milheto e esperar para plantar a soja depois e e não deixá-la exposta”, acrescenta o agrônomo. 


COM MARGENS APERTADAS, RISCOS DEVEM SER EVITADOS

Alexandre Di Domenico, presidente da Aprosoja SC e produtor rural em Santa Catarina e Mato Grosso, acredita que neste ano será decisivo ter paciência para evitar perdas. Ele lembra que em 2023/24 o produtor fez uma safra cara e vendeu barata. “Houve um combo ruim de pouca colheita, produtos caros, venda barata e juros altos. Então, o produtor está em uma situação muito difícil, muito complicada, temos que cuidar muito dos nossos custos, cada vez mais trabalhar, cuidar para que tenhamos rentabilidade na lavoura”. 

Segundo ele, o produtor precisará ter um cuidado redobrado neste ano e aguardar as chuvas, mesmo que isso encurte a janela da segunda safra. “Nós temos a obrigação de fazer safras boas e respeitar o tempo e a natureza para ver o que acontece. O solo está muito carente de água, está muito seco, estamos enfrentando altas temperaturas, uma seca prolongada, um pouco além do que imaginávamos. Estamos entrando na segunda quinzena de setembro e nada de chuvas em muitas regiões do Centro-Oeste, então o produtor vai ter que ter muita cautela”. 

“Não adianta o produtor se preocupar e fazer uma primeira safra ruim e uma segunda safra péssima. Aí ninguém resiste, e o maior preocupante hoje, na verdade, não é nem o clima, são os preços dos produtos, a nossa linha final. Então, acho que é o momento de ter muita cautela e ficar muito atento e não deixar passar bons negócios”, completa Di Domenico. 

No Conexão Campo Cidade desta semana, Alexandre Schenkel, presidente da Abrapa, ressaltou que a  janela para o algodão pode ficar mais apertada neste ano, mas a dica é não arriscar a soja antes da hora e, se atrasar demais, plantar apenas o algodão. “Nós estamos apreensivos, nós gostaríamos muito que tivesse chuva. Mas nós também aprendemos uma grande lição no ano passado: é você não querer acelerar as coisas. Perdemos muita lavoura de soja, tivemos um prejuízo enorme”, sugere o presidente. 

“Plantar a soja por plantar como fizemos no ano passado foi um desafio muito grande, nós aprendemos essa lição. Então, não podemos ter prejuízo como tivemos na soja de 2023/24. Então, se a chuva vieram em outubro, vamos utilizar cultivares mais precoces, o importante é ter uma janela [de algodão] em janeiro. Vamos procurar nos detalhes não ter prejuízo nem na soja nem no algodão no ano que vem”, acrescenta Schenkel. 

 Igor Batista

 Notícias Agrícolas

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